terça-feira, 29 de abril de 2014

FILME: «História do Medo» de Benjamin Naishtat (2014)

Ao 5º dia do Festival Indie a nossa opção foi para o primeiro filme do argentino Benjamin Naishtat, que passou no Grande Auditório da Culturgest. Tendo por tema o Medo, ele é visto na lógica de luta de classes, mas também na vertente mais global feita de estranheza e temor por tudo quanto possa desconhecer-se.
Nesse aspeto «História do Medo» tanto se pode aproximar da versão romeriana dos filmes de zombies - em que sociedades burguesas, consumistas, são ameaçadas pelo cerco dos que dela não usufruem (os mortos-vivos)  - como do microuniverso descrito por Saramago no seu «Ensaio sobre a Cegueira», porquanto a total escuridão em torno dos personagens será para eles um fator de total desorientação.
Logo de início duas cenas em paralelo começam a suscitar uma relação de estranheza do espectador perante a história proposta no ecrã: cansado, um miúdo recusa continuar a jogar à bola com o pai, enquanto um helicóptero sobrevoa uma zona urbana ordenando aos habitantes o seu abandono. Doravante os que habitam o luxuoso condomínio privado viverão obcecados pela possibilidade de virem a ser espoliados pelos que vivem à sua volta, enquanto estes últimos, vão de facto entrando naquele seleto espaço, seja para assegurar tarefas domésticas, seja para, clandestinamente, passear no seu bosque.
É claro que Naishtat poderia ter optado por simplificar o conflito de classes, mas sabemos bem como os realizadores estreantes apreciam complicar. Mas, neste caso, o realizador adota uma estratégia muito curiosa, que garante ao filme o seu maior interesse: o quanto, em sons, se sente passar-se sem que o vejamos. Essa sonoplastia vai contribuindo para o crescendo de tensão, que vai sendo garantidas por cenas breves mas eficientes nos receios, que transmitem - o miúdo a furtar-se à brincadeira com o pai por dizer-se cansado, as avarias no elevador, o rapaz que tem um ataque quando estava na fila da hamburgueria, o homem que surge nu a uma mãe e ao seu filho numa portagem - até chegarmos ao black out final em que os privilegiados se perdem na escuridão, incapazes de se orientarem num mundo sem as referências, que lhes eram tão comuns.
Não se tratou, pois, de um filme que nos enchesse as medidas, mas pode-se reconhecer a presença de um potencial, a que valerá a pena estar atento… ou não seja o cinema oriundo do país das pampas um dos que mais obras de interesse tem produzido nos anos mais recentes!



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