quinta-feira, 1 de maio de 2014

IDEIAS: quando o cérebro vê fundidos os seus fusíveis! (IV)

Entrámos num «tempo  ordenado», ou seja sujeito a ordens muito rígidas.
Em 1962, quando Orson Welles rodou «O Processo», numa adaptação do romance de Kafka, apresentou-nos um homem, que irá ser executado sem sequer ter direito a um julgamento digno desse nome, porque toda a acusação está mais que viciada apesar de constantemente ele se proclamar inocente.
Esse homem, Joseph K dá a sensação de querer fugir a qualquer coisa., de reivindicar o direito a uma vida individual no seio de uma sociedade cada vez mais mecanizada nos mesmos comportamentos. Ele é alguém que ainda não desistiu de se manter vivo no seio de um mundo de mortos-vivos. Mas é um combate perdido logo à partida…
Welles ilustra o fenómeno dos open spaces, quando eles ainda estavam a começar a surgir sob a forma de uma ideia abstrata sobre o que poderia tornar o trabalho mais eficaz. E onde a ordem, o tempo era imposto…
Até ao século XX o tempo era definido pelo trabalho em si, pelo que não era imposto a priori, enquanto, pelo contrário, na fase de burocratização do trabalho, da sua adequação a uma lógica taylorista, o tempo de trabalho passa a ser determinado coercivamente.
O horário de trabalho passa a ser uma provação para o indivíduo que, muitas vezes, vê-se a correr atrás de um tempo que nunca se chega a ter a sensação de dominar.
Ora, o tempo costumava ser sinónimo da nossa liberdade. O taylorismo irá coartar essa condição humana, apoiado nas máquinas que, elas sim, passam a comandar esse mesmo tempo.
Hoje o sistema capitalista assenta na obsolescência programada das máquinas - no seu próprio burn out - e essa mesma lógica foi ampliada aos próprios recursos humanos.
O desejo de «flexibilização» das leis do trabalho têm a ver com a noção de que, quais pastilhas elásticas, os trabalhadores são para explorar ao máximo no período mais curto possível, passando a ser dispensáveis quando já não conseguirem manter os padrões de produtividade, que maximize a sua utilização. Podendo, então, ser substituídos, com custos reduzidos, por novas levas de explorados.
A melancolia contemporânea de que fala o filósofo Pascal Chabot num seu livro recente  («Global Burn Out», ed. PUF) tem a ver com essa condenação do homem a tornar-se máquina, numa mera roda dentro da engrenagem onde é mandado em vez de mandante.
Ora o desejo de reconhecimento mora no íntimo de cada indivíduo e faz parte da sua identidade enquanto pessoa. E por isso mesmo anseia por um local de trabalho onde possa conservar a autoestima e a sua verdadeira individualidade. Ou seja algo onde se sinta realizado.
Estamos, pois, num tempo em que existe uma fronteira muito clara a distinguir os que querem transformar o local de trabalho num  espaço de medo, de precariedade e de negação de quaisquer direitos e os que defendem a legítima ambição de cada trabalhador sentir-se respeitado e reconhecido.
Combater as condições, que levam pessoas a suicidarem-se ou a ficarem transtornadas depois de exploradas até ao limite da sua suportabilidade, é um desafio fundamental para a esquerda e para o mundo sindical nos anos vindouros.


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