quarta-feira, 14 de maio de 2014

POLÍTICA: A inevitável Reestruturação da Dívida

É pena que José Castro Caldas seja convidado tão raramente para os programas televisivos em que se debate a situação económica do país, porquanto a forma como costuma explanar as suas opiniões revela não só uma análise aprofundada de todos os indicadores e dados disponíveis, mas sobretudo por ir a contracorrente com o discurso dominante em que se repetem incessantemente os mesmos lugares comuns. E já estamos mais do que fartos de ver como a solução para os problemas por que passa a economia portuguesa não se coaduna com essas fórmulas dilatórias de adiar a posição firme, que se exige a um país capaz de respeitar os direitos e aspirações dos seus cidadãos.
Por isso mesmo merece justificada atenção o artigo «O Ajustamento, a nova normalidade e a despesa pública que deve ser cortada», inserido na edição deste mês da versão portuguesa do «Le Monde Diplomatique».
Na apresentação do texto do investigador de Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra, o jornal explica o seu objetivo: «A apresentação pelo governo, no início de maio, do Documento de Estratégia Orçamental (DEO) foi acompanhada por uma verdadeira campanha de intoxicação política e mediática. Simulando celebrar, com propósitos eleitoralistas, a “saída da Troika” e o fim do “programa de resgate”, tudo está a ser feito para que os cidadãos não vejam, para além das medidas mais imediatas já anunciadas (como o aumento do IVA e da TSU), o que se prepara para os próximos anos.
Qualquer “saída” que não implique uma reestruturação da dívida, ainda por cima no quadro do Tratado Orçamental, assemelha-se mais a um violento embate contra uma porta fechada: empobrecimento, desemprego, precariedade, emigração, colapso do Estado social. Um embate que não é compatível com a democracia.»
Para José Castro Caldas o cumprimento dos objetivos inseridos no DEO implicaria a rendição dos portugueses a terem um país «com serviços públicos reduzidos ao mínimo, educação e saúde de qualidade só para quem as puder pagar, pensões degradadas, muita emigração (enquanto houver liberdade de circulação na Europa) e uma democracia presa por um fio.»
Não é um cenário muito diferente do que já constatamos, mas onde depressa se concluirá que, também aqui, se cumpre a Lei de Murphy: o que já está mal, ainda pode tornar-se pior e nas circunstâncias mais complicadas. Só que, ao contrário do que sucede com as leis da Física, existe um fator passível de infletir essa possibilidade: a reação política dos que parecem condenados a sofrer os efeitos desse DEO.  Por isso mesmo o Manifesto dos 74 merece ser tomado como referência por quem sai à rua a exprimir a indignação pelo que se está a passar.
A reestruturação da dívida, que tanto assusta passos coelho, paulo portas e todos que contam com eles para defenderem os seus interesses - contrários aos da grande maioria dos portugueses - é um imperativo ditado por razões económicas e morais. Porque justifica-se a pergunta: «porque razão os direitos dos credores haveriam de prevalecer sobre os de todas as pessoas que constituem a comunidade política?»
É que os pensionistas, os desempregados, os utentes do Serviço Nacional de Saúde, os estudantes e as suas famílias têm a seu favor os direitos constitucionais, que têm sido preteridos ilegitimamente face aos direitos desses credores.
Por isso mesmo, e à falta de uma tomada de posição europeia em favor dos seus cidadãos, só restará uma alternativa: a declaração de moratórias ao serviço da dívida «capazes de desencadear processos negociais com todos os seus credores privados e oficiais».


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