quarta-feira, 7 de maio de 2014

POLÍTICA: A urgência de recuperar a dignidade e a dimensão da Administração Pública

Num texto de referência sobre a situação atual (“Miséria social, miséria moral: mais pobres, mais frágeis”, Público, 6/5/2014), José Vítor Malheiros considera como um dos êxitos da propaganda do governo a forma como indispôs os trabalhadores do setor privado com os funcionários públicos: “o Governo conseguiu apresentar sistematicamente a máquina do Estado como uma ‘gordura’ improdutiva, um aparelho inútil e despesista, formado por burocratas preguiçosos e incompetentes, pondo trabalhadores do sector privado contra funcionários públicos e destruindo uma filosofia de serviço público e uma ética de trabalho com séculos de consolidação, para melhor desmantelar o Estado social.”
O resultado tem sido calamitoso e obrigará os próximos Governos a infletirem todo o desgaste imposto à Administração Pública, revalorizando-a e reorientando-a de forma a voltar a cumprir a missão de servir o cidadão.
Para Joaquim Filipe Araújo, da Universidade do Minho, depois da dieta aplicada em nome da redução da despesa do Estado até é possível que resolvamos “a questão das contas públicas, mas criaremos um problema: uma administração fragmentada e sem coerência”. Porque “todas as mudanças que ocorreram nos últimos anos não têm qualquer estratégia de fundo e visam a resolução de problemas de curto prazo”.
A abordagem hoje assinada por Raquel Martins no mesmo jornal é eloquente quanto ao ataque devastador de que os funcionários públicos foram vítimas nos últimos três anos:
· o peso das despesas com pessoal no PIB (Produto Interno Bruto) passou de 12,2% no final de 2010 para 10,7% no ano passado e, de acordo com a Comissão Europeia, deverá chegar aos 9,5% este ano, regressando aos níveis do início dos anos 80;
· os trabalhadores do Estado viram os seus salários reduzir-se (de 2011 a 2013, o corte foi de 3,5% a 10% para quem recebia um salário bruto acima de 1500 euros e desde o início deste ano o corte passou para 2,5% a 12% sobre salários acima de 675 euros), o trabalho extraordinário ser pago a valores mais baixos e as progressões congeladas. E, tal como os do privado, viram a carga fiscal aumentar.
Segundo os especialistas ouvidos pela jornalista as consequências são óbvias:
· trabalhadores desmotivados
· dirigentes “sem qualquer autonomia”
· falta de capacidade para atrair os melhores
· os cidadãos têm piores serviços do que há três anos, como se constata com o que se passa nos setores da saúde ou da educação.
Comparando-se a massa salarial da função pública prevista para 2015 (9%) com a média verificada na União Europeia (10,2%) é fácil desmentir a mistificação do Estado despesista, porque os números dizem precisamente o contrário: para alcançarmos uma qualidade de nível europeu a estratégia passa por recuperar a dimensão do Estado, que este (des)governo atrofiou.


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