domingo, 24 de agosto de 2014

E se fizéssemos um exercício de ficção científica?

Já que é verão e a amenidade do clima torna propícios jogos e exercícios de entretenimento, dediquemo-nos a um bastante fácil de solucionar tão previsíveis são as variáveis que conduzem a um resultado matematicamente certo.
O problema põe-se assim: imaginemos que depois da pífia vitória nas europeias, António Costa ainda travava a manifestação da sua vontade e a de milhares de militantes que o sabem potencialmente muito melhor líder do que Seguro, e tudo continuava como há três meses atrás. Ou seja com um governo descredibilizado e sem outra estratégia, que não seja o corte de rendimentos dos pensionistas e dos funcionários públicos e o aumento de impostos, e uma oposição liderada por um político sem chama e meramente reativo quanto ao que as circunstâncias iriam debitando.
Tal como sucede nesta realidade presente, as europeias já estariam esquecidas, porque nem mesmo nas cabecinhas pensadoras do largo do Rato se conseguiria levar a sério a tese de se ter tratado de uma grande vitória do PS.
Porventura, procurariam colar as europeias às autárquicas, mas aí sentiriam o terreno instável de quem sabe que estas últimas só pareceram representar uma grande vitória porque os 52% de António Costa em Lisboa abafaram muitas derrotas comprometedoras.
Estaríamos assim num verão sem grandes novidades já que os incêndios ainda não começaram a aparecer e os crimes e assaltos são aleatórios, ora aumentando de intensidade, ora primando pela ausência, arriscando um vazio de notícias para o início dos telejornais ou para as capas dos jornais. Claro que há sempre a salvaguarda do sexo, mas a curiosidade já escasseia para as repetitivas abordagens dos anos anteriores.
A haverem sondagens os resultados não seriam muito diferentes dos atuais, já que a verdadeira consulta das urnas entretanto concretizada confirmou um PS à volta dos 30%, a direita com um valor semelhante e a esquerda comunista ou bloquista sem conseguir alavancar o descontentamento coletivo e sair dos limites da sua influência presente.
Cresceriam muito o tipo de respostas «Não Sabe/ Não quer responder», porque um Portugal com passos coelho em São Bento e Seguro como líder da oposição já enfarta quem procura outros rostos para personificar a esperança, que ambos não dão.
Mas imaginemos que a abulia coletiva era ainda assim levada até às legislativas e nada se alterava: teríamos um governo aparentemente legitimado pelos portugueses (mas com níveis ainda maiores de abstenção, de votos brancos ou nulos), constituído por uma direita que não reconhece o fracasso da sua aposta ideológica e por um PS já satisfeito por sentar alguns dos mais próximos colaboradores de Seguro em cadeiras ministeriais, mas sem alterarem substancialmente o tipo de políticas seguido nestes três anos.
É essa a solução do nosso exercício de futurologia:  depois deste governo, que os portugueses anseiam ver pelas costas, seguir-se-ia outro em que, parafraseando o príncipe Salinas de «O Leopardo», mudava alguma coisa para que tudo ficasse na mesma.
É certo que António José Seguro consegue não rir quando se diz esperançado em ter maioria absoluta. Lembra a esse respeito aquela velha história do rei que se passeava entre os súbditos com a sua nova camisa e não se dava conta que estava nu. Assim é Seguro: não consegue compreender como é que uma grande maioria dos portugueses não atina com a ideia de lhe atribuírem um voto de confiança que, em três anos, nunca deu sinais de merecer.
O que um governo PSD/CDS/PS (depois do tal mirabolante referendo, que Seguro se comprometeria a fazer) representaria para o país seria algo parecido com uma catástrofe, porque já se perdeu tanto tempo com o agravamento das consequências suscitadas pela inadaptação da nossa economia aos desafios do euro, do alargamento da União Europeia a leste e da globalização, que não há forma de se adiarem ainda mais as medidas exigíveis para as superar.
Bem podem arengar os apoiantes de Seguro quanto à obrigatoriedade em se cumprirem regras estatutárias (que eles mesmos promoveram para se consolidarem num poder partidário, que sabiam em risco, porque, apesar de tudo, conheciam a sua própria mediocridade), quanto à “traição” de Costa (quando a verdadeira responsabilidade dele é para com os militantes do Partido e não a um fraco líder conjuntural) ou quanto ao desrespeito pelo “caminho de pedras” supostamente percorrido nestes três anos - e que foi protagonizado, sim, pelos portugueses e não pela fraca oposição, que nada de eficaz fez para o evitar.
Perante a insatisfação de milhares de militantes, que viam o Partido a replicar a degenerescência do PASOK, que de maior partido grego quase se esfumou para a dimensão de grupúsculo, António Costa tinha o DEVER de se disponibilizar e personificar a solução de um problema gravíssimo para o futuro do Partido e para a vida de milhões de portugueses.
Porque o que as europeias demonstraram foi a vontade de punir a direita dando-lhe um resultado historicamente baixo, mas sem transferir essa perda de confiança para quem a deveria conquistar: o PS.
É por ansiarem por novos protagonistas na governação do país, que os eleitores se deixaram embalar pelo populismo de marinho pinto ou pela inconsistência do Livre.
A vitória de António Costa nas primárias de 28 de setembro e no subsequente Congresso é a grande oportunidade para virar de vez este período histórico em que o capitalismo europeu transformou Portugal no seu laboratório onde pretenderia demonstrar as virtudes da sua ideologia antidemocrática e fomentadora de maiores desigualdades na distribuição de rendimentos e fracassou.
O socialismo volta a estar na ordem do dia. E importa que quem o relançar tenha a consistência estratégica que os tempos exigem...


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