quinta-feira, 28 de agosto de 2014

O perigo dos peixes começarem a acreditar nos macacos

Tenho quase lido aquele que será decerto um dos grandes romances de língua portuguesa publicados no ano em curso: «A Rainha Ginga» de José Eduardo Agualusa.
Mas independentemente dos seus méritos literários, que serão objeto de abordagem noutro blogue (“Tempos Interessantes”) vale a pena recorrer a um seu pequeno trecho para ilustrar o que podem significar as primárias do Partido Socialista.
Já quase no final do livro, o narrador vai visitar um feiticeiro conceituado, que lhe pergunta se conhecia a história do macaco e do peixe.
“Eu não conhecia. Então o quimbanda pôs-se a contar: andava um macaco passeando pela floresta. Movia-se aos saltos pelas árvores, quando topou com uma lagoa como esta e olhando-a, entre o encanto e o susto, porque todos os macacos receiam a água, viu um peixe movendo-se em meio ao lodo espesso, junto à margem. «Que horror!», pensou o macaco, «aquele pequeno animal sem braços nem pernas caiu à água e está a afogar-se.» O macaco, que era um bom macaco, ficou numa grande angústia. Queria saltar e salvar o animalzinho, mas o terror impedia-o. Por fim, encheu-se de coragem, mergulhou, agarrou o peixe e atirou-o para a margem. Conseguiu içar-se para terra firme e ficou ali, alegre, vendo o peixe aos saltos. «Fiz uma boa ação», pensou o macaco, «vejam como está feliz!».
Ri-me. Rimo-nos os dois.
- O que eu mais receio -continuou o quimbanda depois que parámos de rir - é que os próprios peixes comecem a acreditar nos macacos."
Este pequeno e delicioso trecho decerto que criará nuns quantos o desejo de ler na íntegra este romance, e posso afiançar não virem a sair defraudados. Mas voltando ao assunto que aqui nos move, e  antes de recorrermos à metáfora do macaco e do peixe, vamos começar por estabelecer um pequeno exercício académico:
· imaginemos que esquecemos o que Eduarda Maio investigou para escrever o seu livro «O Menino de Ouro do PS», concluindo que desde jovem, António José Seguro alimentou um porfiado despeito por José Sócrates, quando ambos militavam na Juventude Socialista de Castelo Branco. De facto, o talento e a sagacidade do futuro primeiro-ministro era já tão evidentes, que o bem menos dotado Seguro tinha de remoer em silencia a sua ressentida frustração.
· Não suponhamos que esse mesmo António José Seguro viu tal despeito ainda mais alimentar-se quando ouviu António Guterres declarar que seria Sócrates o mais qualificado para vir a ser o secretário-geral do Partido Socialista.
· Esqueçamos que terá sido, movido por essa inveja, que António José Seguro preferiu sentar-se na sexta fila da Assembleia da República durante a vigência dos governos do rival, quando não optou por ir juntar-se a Mário Nogueira nas galerias, quando se tratava de dar força à luta dos professores contra a ministra Maria de Lurdes Rodrigues.
· Façamos ainda os possíveis por olvidar que, inteligente quanto baste, António José Seguro terá concluído que os militantes do PS são pessoas emotivas a quem basta lembrar o nome da mulher, dos filhos ou do papagaio para considerarem o dirigente interlocutor como o ai-jesus que merece ser ungido como líder. E que por isso terá passado anos seguidos a multiplicar cumprimentos e abraços pelas mais recônditas secções o país, esperando a sua hora.
Passada pois a esponja por todos esses argumentos, que levam muitos militantes a estarem bem lúcidos quanto à (falta de) qualidade da direção, que tomou conta do partido a partir de setembro de 2011, imaginemos que os macacos da história do quimbanda de Agualusa é essa mesma corte que tem rodeado António José Seguro no Largo do Rato.
Imaginemo-los com as excelentes boas intenções do macaco, que acredita ter herdado o Partido de rastos depois do que julgam terem sido os desastrosos anos da governação Sócrates e se dispõem a salvar os militantes (os tais peixes que nadam no rio) de prosseguirem o seu percurso para o oceano.
Bem podem os mais previdentes alertarem que será no oceano, que estarão todas as oportunidades de crescimento e desenvolvimento por que anseia o país. Que depois destas estreitas margens, que apertam o rio, reside em chegar à foz a possibilidade de melhor sobrevivência…
Os macacos de Rato assim não entenderão e anseiam por retirar os militantes e simpatizantes do rio. Aumentando-lhes ainda mais o sufoco em que se encontram.
É por isso lamentável ver ainda muitos incautos a acreditarem nos macacos, porque parafraseando o seu líder, eles nada podem prometer porque nem sequer fazem ideia de como os salvar.
Por isso mesmo temos ouvido a muitos dos mais antigos militantes - aqueles que andarem em lutas renhidas em 74 e 75, muitas das quais de autêntica pancadaria - a predizerem que uma eventual vitória de Seguro em 28 de setembro significaria o fim do Partido Socialista.
Compreende-se-lhes a preocupação: Seguro e os seus pouco brilhantes colaboradores já deram provas sobejas de não fazerem sequer ideia do que significa ser socialista.
Por isso mesmo devem ser derrotados sem apelo nem agravo. Os danos que já causaram ao Partido e aos portugueses são demasiados para que possamos continuar a tolerá-los.
Os peixes - mais os do Sermão do Padre António Vieira do que os da história de Agualusa - devem avançar determinadamente para o mar. Porque é essa a sua natureza e é lá que o futuro se lhes torna mais risonho...


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