sábado, 18 de outubro de 2014

Realisticamente pedimos (quase) o impossível!

Há um verso num poema de Bertolt Brecht, que justifica o meu contido otimismo em política: aquele que está vivo não diga nunca nunca!
Muito cedo comecei a valorizar esse conselho: tenho idade suficiente para evocar o desencanto pela aparente imutabilidade do salazarismo-marcelismo (tendo até a morte de Salvador Allende a agudizar a sensação de falta de argumentos para a esperança!) e depois ter deparado com a tal madrugada soberbamente homenageada por Sophia por nos ter dado o tal dia inicial inteiro e limpo/ Onde emergimos da noite e do silêncio/ E livres habitamos a substância do tempo.
Vem isto a propósito da sondagem da Universidade Católica encomendada pela RTP, pelo DN e pelo JN sobre as intenções de voto dos portugueses para as próximas legislativas, que dá o Partido Socialista à beira da maioria absoluta.
Olhando para seis meses atrás, quando ainda estavam as europeias por decorrer, o cenário era lúgubre: a direita estava esgotada no labirinto da sua política austeridade e o principal partido da Oposição não descolava de uma previsão desanimadora para o iminente embate eleitoral. O impasse lembrava o clima do início da década de setenta, quando já se tinham esfumado as ilusões sobre os propósitos reformistas de marcelo caetano, a guerra de África consumia vidas e recursos económicos sem se vislumbrar o seu fim e as oposições só conseguiam dar prova de vida junto de desarmadas minorias.
Nessa época foi inesperada a forma como vimos o tempo acelerar-se e a descrença dar lugar às mais destemperadas utopias. Quando chegámos a dar razão a quem, meia dúzia de anos antes durante o maio francês de 68, inventara que ser-se realista significava pedir o impossível.
É claro que os quarenta anos entretanto decorridos mitigaram a propensão para os exageros: rejeitando o oito, mas também não exigindo de imediato o oitenta…
A vitória de António Costa nas Primárias de 28 de setembro mudou totalmente o clima político do país. Por muito que queiram disfarçar o quanto lhes vai na alma, os governantes da coligação de direita e os comentadores a eles enfeudados já interiorizaram a impossibilidade de conterem eficazmente a dinâmica criada desde então.
A sondagem agora conhecida perspetiva uma maioria forte para iniciar o projeto de reconstrução do cenário de catástrofe em que passos coelho e paulo portas transformaram o país.
E o novo ciclo político vem em tão oportuna altura quanto é certo o recuo dos ideólogos da política entroikada dos últimos três anos.
Rienzi está a representar algo de novo na política europeia e, em desespero de causa, Hollande anda a aproximar-se daquilo que teríamos gostado de nele reconhecer quando chegou ao Eliseu.
Se a tudo isso somarmos as dificuldades internas de alguns dos governos mais fanáticos quanto à punição dos povos do Sul do continente, incluindo o líder de todos eles, esse executivo de merckel já a contas com a recessão e a denúncia mediática da realidade que se esconde por trás da sua fachada de sucesso, estamos em condições de poder acreditar na forte probabilidade de vermos António Costa a desempenhar um papel determinante na sustentada recuperação da esperança dos portugueses e no fortalecimento de uma mudança qualitativa dos paradigmas por que se têm regido as instituições sedeadas em Bruxelas ou em Estrasburgo.

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