segunda-feira, 27 de outubro de 2014

Saudar Dilma com atenção ao que se vai passando em Portugal

A vitória de Dilma nas eleições presidenciais do Brasil vai deixar muita gente insatisfeita deste lado do Atlântico, mas só pode justificar motivos de regozijo em quem crê nas virtudes da democracia na sua interpretação mais progressista.
Nas últimas semanas os telejornais dos diversos canais fizeram uma cobertura indecorosa do que ali se passava como se Dilma fosse uma corrupta merecedora da derrota e Marina, primeiro, e Aécio depois, dois anjos imaculados destinados a regenerar todo o Brasil do bando de criminosos que o tinham tomado de assalto nos últimos doze anos.
À direita portuguesa, como à brasileira, ainda faz demasiada comichão que um antigo operário metalúrgico como Lula da Silva ainda conserve um tão grande capital de simpatia no seu país. Nos nossos “jornalistas,” outrora tão entusiasmados na alimentação à campanha contínua de detração de José Sócrates, o facto de ele ter-se deslocado a Lisboa para saudar a tese de mestrado do antigo-primeiro ministro também terá contribuído para o transformar num inimigo de estimação. Mas nada que se assemelhe á vergonhosa campanha de alguma imprensa brasileira muito influente, como ocorre com a revista «Veja», pertencente a uma das famílias mais enquistadas na História do último século brasileiro, nomeadamente durante a sua ditadura militar.
Se ao longo dos últimos doze anos a «Veja» tudo tem feito para denunciar os casos de corrupção relacionados com o PT, assumiu um silêncio eloquente sobre os numerosíssimos exemplos de crimes semelhantes ligados a quem se opõe  a Lula e a Dilma.
Os donos da «Veja» e os que adotam a mesma linha editorial detestam o legado do PT ao longo deste período: as políticas sociais, que retiraram milhões de brasileiros da pobreza e lhes deram motivos para confiarem numa significaria melhoria dos seus padrões de vida.
Por trás de Aécio estão muitos dos principais herdeiros dos que fizeram do Brasil um dos países onde a desigualdade entre ricos e pobres assume contrastes mais obscenos. E era isso mesmo que estava em causa nesta eleição: ou se travava uma dinâmica corretora desse abismo de rendimentos entre os que tudo têm e os que lutam arduamente por sobreviverem, ou regressava-se ao passado sob a forma de privatizações, que têm por único objetivo a transferência de rendimentos do Estado para os bolsos dos interesses particulares. É por isso que a vitória de Dilma nos deve alegrar.
Não é que esteja tudo bem com a sua governação! É claro que a corrupção deve ser combatida, mas trata-se de uma guerra dura e demorada contra um fenómeno endémico desde há muitas décadas de norte a sul do Brasil.
É claro que os investimentos em instalações desportivas para o Mundial de Futebol ou para os Jogos Olímpicos são discutíveis tendo em conta as necessidades com a Educação ou com a Saúde. Mas quem é suficientemente ingénuo para acreditar que as gigantescas manifestações de algumas semanas atrás surgiram espontaneamente de um desagrado popular? Não se duvidando que ele existe, houve quem o estimulasse oportunisticamente e o manipulasse de forma a evitar o resultado eleitoral agora verificado.
O que se passou no Brasil foi mais uma demonstração daquilo que há muito sabemos: perante uma esquerda, que aposta nos valores para se conseguir afirmar, surge uma direita sem escrúpulos, capaz de utilizar a mentira e a difamação como estratégia para manter as sociedades nas condições de injustiça em que as conhecemos.
E isso mesmo tem-se verificado com a expectativa da vitória socialista nas próximas legislativas: ora temos um pires de lima a emitir falsidades grosseiras contra os governos de Sócrates a pretexto da PT, ora deparamos com alinhamentos de notícias na SIC para fazer coincidir notícias inócuas sobre António Costa com outras em que ele é culpado de tudo, até o de ter sido abraçado por um apoiante, que provavelmente nem conhecia, na noite da vitória das Primárias.
É mais que certo que, aproveitando o protelamento para tão tarde quanto possível da data das eleições, passos e portas contam com quem na sombra já está a preparar estratégias tão sujas quanto as que agora quase puseram em causa a reeleição da presidente brasileira… e que estarão condenadas a falhar! 

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