quarta-feira, 14 de janeiro de 2015

Autocensura agora? Era o que faltava!

A exemplo de Augusto Santos Silva também acredito que os dias de glória de marine le pen acabaram no domingo transato. A impressionante manifestação de milhão e meio de pessoas em favor da multiculturalidade das sociedades onde vivemos, e dos princípios de tolerância que nelas devem imperar ,não se irão limitar a quem ali disse presente: é toda a França, se não mesmo grande parte da Europa, que é abalada por este benigno sobressalto.
A tragédia que se abateu sobre a redação do Charlie Hebdo e sobre a comunidade judaica parisiense irá ter um efeito contrário ao pretendido pelos três assassinos e por quem os inspirou e financiou: o jornal fica, subitamente em condições de se salvar da falência financeira, que parecia condená-lo a curto/médio prazo. E o governo de Hollande e Valls - porventura bem mais simpático para quem detém o poder em Telavive do que os de direita - é capaz de renascer das cinzas e, aproveitando a confusão reinante no campo adversário, começar a recuperar nas  sondagens.
Quem já tinha preparado os epitáfios para os moribundos socialistas franceses, talvez faça bem em guardá-los na gaveta até melhor oportunidade.
Discordo de Santos Silva é quanto à inadequação ao momento presente da capa do Charlie, que hoje chega às bancas. É que os sobreviventes da redação decidiram voltar a violar uma das regras do islamismo, representando novamente o Profetana faceta de um comovido defensor da sua causa e a sugerir o fim da fatwa.
Pessoalmente não me choca nada a continuação do lado iconoclasta do jornal. Pelo contrário: ele não se respeitaria a si próprio, e aos que morreram, se adotasse agora uma qualquer forma de autocensura.
Corre-se o risco de voltar a ofender a comunidade muçulmana? Pois temos pena, mas é assim que as coisas devem ser!
E é isso mesmo que Daniel de Oliveira escreve oportunamente na sua crónica de ontem no «Expresso»:  A mim, a qualquer um de nós, cabe defender o direito de todos a decidir  quais são e quais não são os seus limites. Ser Charlie não é dizer que se tem os mesmos limites de Charlie. Não é estar obrigado a repetir ou a reproduzir a linguagem de Charlie. É defender o direito de Charlie o fazer. (…) Defender a liberdade do outro não nos obriga a ser igual ao outro. Nem a repetir o que ele diz».
E voltamos sempre à célebre expressão de Voltaire, que serve de bitola à distinção entre quem é ou não democrata:  “Não concordo com uma palavra do que dizes, mas defenderei até o ultimo instante seu direito de dizê-la “ .

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