terça-feira, 20 de outubro de 2015

A realidade desajustada da maioria das opiniões remuneradas

No meio de uma multidão de opinadores poucos se têm destacado pela argúcia com que olham para as dificuldades do PàF em formar governo e as expectativas de António Costa quanto à forte probabilidade de uma alternativa à esquerda. Há muita gente a adivinhar o logro em que aceitou participar a troco de remuneração e sentirá o desconforto de uma realidade bem diferente  da que propagandeara...

1. João Garcia tem sido um dos raros comentadores a olhar com lucidez para os acontecimentos subsequentes às eleições legislativas de 4 de outubro e aos esforços empreendidos por António Costa para assegurar uma alternativa viável. Na coluna da sua autoria na revista onde é diretor («Visão») ele constatou que o líder do PS “já passou de principal vencido a cabeça de cartaz.”
Para os que não cessaram de fustigar Costa por causa da suposta inabilidade com que gerira a campanha eleitoral, Garcia recorda os seus méritos na Câmara de Lisboa alertando: “perante este negociador experimentado, passos e portas sabem que não terão uma vida fácil se dependerem do PS para ficarem no Governo”.
Ciente de ser ele a dar cartas neste poker, onde a direita já se sente em vias de perder, António Costa revela uma tranquilidade, que desconcerta os adversários: “Navegando nestas águas agitadas, o líder socialista deixa o País suspenso das suas decisões. À saída das diversas reuniões não afasta hipóteses, ensaia um discurso construtivo, mostra-se como o homem do momento. Adia, não tem pressas, deleita-se com as expetativas que cria.
Seja qual for o Governo que vier a tomar posse, ele terá o dedo de António Costa e, muito provavelmente, o tempo de vida que mais convier aos desígnios do líder socialista”.
Está mais do que visto: quem na noite de 4 de outubro declarou a morte política do que foi tido como derrotado, estava a cometer um enorme exagero!
2. Costumo apreciar bastante os textos de Boaventura de Sousa Santos, que costuma enfatizar alguns sinais muitas vezes ignorados pelos media, mas prenunciadores de grandes mudanças sociais e políticas.
Desta feita ele olhou para as negociações entre socialistas com bloquistas e comunistas e concluiu: “O PS começou a aprender que quanto mais se parecer com a direita menos a direita precisa dele, e menos precisam dele os cidadãos e cidadãs que, inconformados com as suas políticas, começam a identificar alternativas à esquerda”.
O regresso do PS à sua matriz socialista, retirando-a definitivamente da gaveta, constitui a sua única alternativa para evitar a possível pasokização. Que, com um líder como Francisco Assis se aceleraria irreversivelmente ao ponto dele vir a ser o coveiro do seu Partido.
3. Perante os que teimam em defender a necessidade de deixar as coisas tais quais estão - com o poder a ser exercido pelos partidos do defunto (mas eles tardam em aceitá-lo!) “arco da governação” - João Cravinho lembra a grande mudança em curso no cenário europeu: “a desigualdade é hoje o maior problema para a sobrevivência da democracia”.
Ora, os que querem pô-la entre parêntesis durante um tempo para aprovarem as suas “reformas” esquecem que a realidade é tão instável, que até o Muro de Berlim perdeu a suposta inexpugnabilidade e caiu de um dia para o outro...

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