domingo, 4 de outubro de 2015

O nosso reencontro com a História

Quando entrei para a Secção de Almada do Liceu D. João de Castro a ponte sobre o Tejo acabara de ser inaugurada e sabia-me na perspetiva de passar os sete anos seguintes a fazer o percurso quase diário entre a minha casa, no Monte de Caparica e os barracões de madeira um pouco afastados da estrada principal, que conduzia até Cacilhas.
Naquele largo em frente ao liceu joguei grandes partidas de futebol antes de o ajardinarem e nos expulsarem, com as pedras a servirem de baliza e as bolas de futebol, para o morro onde hoje estão enormes edifícios de habitação.
Só muito depois, quando esses barracões já eram só parte da memória de quem neles havia estudado é que aquele espaço foi crismado de Praça São João Batista. A Democracia já estava bem implantada e o poder autárquico cuidava de dar aos espaços urbanos um aspeto menos tosco do que imperara durante o Estado Novo. Mesmo que olhemos, hoje, para a Almada Velha com a nostalgia de quem é criterioso a escolher as boas reminiscências e manter apagadas as que seriam dolorosas de resgatar do olvido.
Passaram-se, desde então, muitas décadas e várias vezes me cruzei com aqueles momentos da História em que a sentimos a fazer-se. Como os vividos no 25 de abril de 74. Ou quando senti em Valparaíso a iminência de uma mudança em marcha, porque o tirano já perdera o referendo e tentava adiar o mais possível a entrega do poder a quem sairia vitorioso das primeiras eleições democráticas após aquela tragédia austral. Ou, quando vivi quase dois meses em Xangai e os arranha-céus da Avenida Nanjing cresciam como cogumelos, de um dia para o outro, anunciando o tal despertar chinês alertado décadas antes por um antigo político francês.
Infelizmente em Portugal, tais encontros com a História, foram mais raros e dececionantes. Como no dia 15 de setembro de 2012, em que Lisboa se encheu de gente a reclamar contra a TSU e repetiu-se aquela célebre passagem do FMI do José Mário Branco quando o rio quase parece finalmente ir desaguar no mar, e morre ali bem perto, no pequeno braço de areia revelado como intransponível obstáculo.
Anteontem à noite, sentado numa das bancadas fronteiras ao palco onde António Costa iria encerrar a campanha, senti o estremecimento de uma experiência dessas, que ficam para o resto da vida. Sobretudo, quando o speaker considerava que, daqui a muitos anos, ainda nos lembraremos daquela noite em que partilhámos com tanta gente o desejo da iminente mudança. E recordei esse outro momento tão longínquo, que sobre ele passaram 35 anos, quando a AD de sá carneiro já tinha ganho as legislativas e queria culminar nas presidenciais o projeto de fechar a página ao 25 de abril com a eleição de soares carneiro.
Na época andava no oceano Índico e só à distância me iam chegando os ecos de uma realidade, aparentemente decidida com a incontornável e assustadora vitória de uma direita tão pouco democrática. Até porque os jornais e a televisão pública, também então, funcionavam como potentes altifalantes desse projeto. E, no entanto, saber-se-ia depois que, ao partir de Cessna para o Porto, o então líder da direita já o fazia em desespero de causa, porque sabia quase certa a derrota: nesse domingo, 7 de dezembro, a Democracia saiu amplamente vencedora e a AD pouco sobreviveria ao seu mentor. A bordo do supertanque «Neiva» a nossa festa prolongou-se até às tantas...
Logo á noite, é isso mesmo que espero: apesar de ter-nos assustado com uma campanha de medo, manipulação e mentira, a direita sairá derrotada. E eu recordarei, enquanto viver, a noite memorável em que as vozes de centenas de pessoas aclamaram a chegada de uma nova manhã límpida e clara onde voltam a caber os nossos melhores sonhos... 

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