segunda-feira, 8 de agosto de 2016

As idiossincrasias do Alaska na campanha presidencial dos EUA

A Isabel Lucas, jornalista do «Público», anda a viajar pelos Estados Unidos, patrocinada pela Fundação Luso-Americana, para dar conta dos espaços abordados na escrita dos seus escritores atuais.
Esta semana tivemos o longo artigo dedicado ao universo de David Vann.  “A Ilha de Sukkwan”, o seu título mais conhecido, tem muito de autobiográfico sobre a experiência de infância vivida no Alasca. De facto em «Legend of a Suicide» ele dá conta da experiência de um dentista, que vai viver com o filho para uma das zonas mais desérticas na já de si quase despovoada região, e aí se suicida. A diferença em relação à vida real foi que Vann recusou o convite do pai para passar esse verão com ele e preferiu ficar na Flórida, para onde acompanhara a mãe depois do divórcio. E, nessa mesma altura, o progenitor escolheu rebentar com os miolos.
Mas, mais do que a vertente literária da reportagem, o que apreendemos do texto de Isabel Lucas é o conjunto de idiossincrasias de quem vive ali e explicam a razão de ali estarem tantos entusiastas apoiantes da mais troglodita direita norte-americana. Basta lembrar que Sarah Palin foi ali governadora e continua a ser das suas políticas mais relevantes.
O Alasca representa um tipo de universo, que ajuda a explicar o efémero sucesso que Donald Trump conseguiu ao ser designado candidato republicano para a Casa Branca. É que, tratando-se da “Última Fronteira” ali chegaram os derradeiros representantes de uma cultura de faroeste em que tudo vale, a começar por disparar primeiro e perguntar depois. Os defensores da NRA têm aí apoiantes fervorosos, sendo um dos Estados onde a compra e posse de armas é mais facilitada.
Tratando-se, igualmente, de terras com densidade populacional muito baixa, os escrúpulos da lei aligeiram-se e a sobrepõe-se-lhe a lógica do mais forte. Daí a intenção da maioria dos que ali vivem em se dizerem apenas de passagem: a iminência de uma violência não declarada, mas pressentida, justifica a intenção de ganhar tanto dinheiro quanto possível e demandar depois os Sunshine States do sul, onde os dias e as noites têm durações e temperaturas mais equilibradas ao longo do ano.
Explica-se assim, que o próprio David Vann nunca tenha sentido nenhuma atração por voltar ali tanto mais, que o livro aqui citado exprime um sentimento de culpa íntima, que a escrita terá ajudado a diluir. No entanto não terá sido por acaso, que escolheu para viver em grande parte do ano uma outra paisagem não muito diferente, mas onde as pessoas adotaram comportamentos completamente diferentes: a Nova Zelândia.
É que, pensando nesse país austral ou noutros onde os rigores da Invernia justificaram a presença humana mais mitigada - e penso necessariamente nos países escandinavos! - essa cultura de faroeste não encontrou ali qualquer expressão.
Trump surge como um descendente espúrio dessa tradição e não é propriamente um acaso que o dirty Clint Eastwood seja das escassas personalidades de relevo a apoiá-lo. O vale tudo, independentemente dos escrúpulos, não faz qualquer sentido numa civilização onde a violência tenderá a ser cada vez mais execrada por valores, que retomam a sua importância como se viu no relativo sucesso da campanha de Bernie Sanders.
Os últimos cowboys estão a morrer, e encontram no anacrónico cangalheiro de Atlantic City o seu mais histriónico estertor.

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