quinta-feira, 4 de agosto de 2016

Uma folia que não faz esquecer o essencial

“A vida não é nem tem de ser um convento (não, não sou um puritano), mas também não deve ser uma folia pessoal quando tudo á volta arde ou está em vias disso. Por menos que se queira, cada um é responsável e há mais mundo para lá do de Eros”.
Esta citação retirada de uma entrevista a Mário Dionísio em 1982 no JL de José Carlos Vasconcelos, vem ao encontro do que sinto por esta altura: as circunstâncias pessoais tendem-me para uma perspetiva otimista do dia-a-dia, mas não posso ignorar o que se passa à nossa volta. Até porque bastou existir um sujeito menor arvorado em primeiro-ministro durante quatro anos para me ver espoliado de uma parte nada despicienda dos meus legítimos rendimentos.
Estou animado com a evolução da Geringonça mas não posso ignorar os riscos que subjazem à possibilidade de um Trump na Casa Branca e/ou de uma Le Pen no Eliseu. Embora encontre nos recentes relatórios do FMI  e no recuo das instituições europeias na questão das sanções (e até no significado democrático do Brexit!), os sinais de uma mudança, que ainda conto ter vida suficiente para ver.
É verdade que, mesmo aqueles que parecem mais despertos para essa urgente alteração dos paradigmas, parecem demasiado «passivos», como mo dizia quem de França veio cá passar férias e assistiu a uma memorável noitada de homenagem ao Zeca Afonso num restaurante aqui do Seixal.
Podemos, de facto, passar uma noite em que o melhor espírito do que se viveu no 25 de abril esteve presente e em que damos a ideia de irmos depois para casa sem nada termos mudado no essencial. Mas, basta recordar como, em 15 de setembro de 2012, a direita conseguiu indignar o adormecido vulcão com a questão da TSU e quase se viu escorraçada com uma manifestação, que a assustou.
Estamos numa fase benigna em que os sinais tectónicos andam embalados pelas perspetivas otimistas da Geringonça. Mas eu não apostaria nessa passividade se, por razão ilegítima, a direita cumprisse o sonho de regressar tão cedo ao poder. A passividade dos que vivem por ora nessa tranquila expectativa pode transformar-se em súbita erupção de um momento para o outro. Basta lembrar como no início de maio de 1968 o Le Monde dizia a França entediada e, dias depois, foi o que se viu.
Que ninguém aposte na passividade de quem apenas ganha forças em merecido intervalo nas lutas de todos os dias.


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