quarta-feira, 21 de setembro de 2016

Sobre a tentação de enterrar o marxismo em nome de experiências fracassadas

Bastou que fizesse profissão de fé no marxismo como sendo a  escola filosófica, que melhor consegue explicar as complexidades da atualidade e formular o desejo de um fim próximo do Capitalismo para que alguns dos mais fiéis leitores do «Ventos Semeados» aqui viessem dar conta das suas divergências, em nome da sua preferência pela social-democracia. Como não posso estar em maior desacordo, aqui começo por abordar uma das respostas do J. S., que dá conta da sua crença na perenidade do mercado como realidade económica. Por isso contesta a defesa que faço da socialização dos bancos (ou seja, da sua nacionalização) com estes argumentos:
“Ou seja, acaba-se com o Mercado e conserva-se do Capitalismo aquilo que ele tem de pior, o Monopólio (de Estado). Eu devo dizer que olho com alguma tristeza para afirmações deste tipo que não parecem levar em conta que o modelo soviético demonstrou até à saciedade que o marxismo enquanto alternativa política e económica (não enquanto ferramenta de análise, embora seja redutora e aqueles que a utilizam caiam com frequência em racionalizações absurdas, que visam apenas despachar o óbvio, ou seja, que as pessoas comuns rejeitam o modelo de sociedade que eles propõem) merece bem ir parar ao caixote do lixo da história. O capitalismo é injusto e a social-democracia tem dificuldades (porventura inultrapassáveis) em geri-lo num contexto de globalização? Com certeza. Mas se a alternativa é a 'democracia socialista', não contem comigo... Aliás, contem comigo para me opor a ela... “
O que o autor destes argumentos revela é só ver o futuro em função da contradição entre mercado e apropriação coletiva dos meios de produção (o Monopólio do Estado). Quando minimiza o potencial da análise marxista para escalpelizar as diversas vertentes em que pode evoluir a atual conjuntura, acaba por cair num maniqueísmo redutor, que cinge o leque das alternativas a duas propostas tal qual elas foram historicamente aplicadas, com a diferença de uma ter ficado pelo caminho e a outra estar a esgotar-se, não tanto em função da globalização, que até lhe seria favorável, mas como resultado de uma evolução tecnológica capaz de a atirar para o caixote das coisas obsoletas.
A presente desregulação dos mercados, de que os mais ricos jamais quererão abdicar, só agudizará as desigualdades sociais e o aumento da pobreza em camadas cada vez mais significativas da população, até redundar na possibilidade de cenários distópicos do tipo loose-loose para todos. Daí a legitimidade em reivindicar uma capacidade de redistribuição da riqueza através da apropriação estatal do setor bancário, com a vantagem de limitar muitas das disfuncionalidades suscitadas pelas fraudes fiscais e a fuga de capitais para paraísos fiscais.
Mas J.S. despreza um fator que se torna mais e mais relevante nos dias que passam: os avanços tecnológicos reduzirão significativamente a oferta de empregos com muitas das tarefas hoje desempenhadas por mão-de-obra relativamente qualificada a serem entregues a robôs ou programas informáticos. Quanto aos recursos humanos menos qualificados esse potencial de substituição por máquinas ou software ainda será mais extensivo.
Não é que diminua a riqueza produzida anualmente por todo o mundo, pelo contrário ela tenderá a progredir quase exponencialmente. A questão que as sociedades deverão resolver são estas: quem irá comprar esses produtos se não existirem consumidores com rendimentos para tal? E o que fazer desse exército de desempregados ou dos que nem sequer conseguiram alguma vez «cheirar» um primeiro emprego?
Estas questões, sobre as quais já muitos ponderam, só terá uma resposta possível e que é dada pelo Socialismo com a coletivização dos meios de produção e a distribuição dos rendimentos por eles suscitados.
É por isso que se torna absurdo o argumento segundo o qual o fracasso das experiências socialistas no último século em diversas latitudes significa o dobre de finados sobre o seu potencial enquanto criação de uma sociedade mais justa, igualitária e fraterna.
Foi Samuel Beckett quem disse um dia que haverá sempre que arriscar o falhanço, desde que ele se torne cada vez melhor.
Muitos dos críticos do regime soviético lembram os nossos políticos de direita, e comentadores a eles ajuramentados, que atribuem a crise a que o país chegou em 2011 como resultado da incompetência  do governo de José Sócrates, «esquecendo-se» que a causa principal esteve na crise dos subprimes com epicentro no outro lado do Atlântico. 
O leninismo e o estalinismo têm muitos crimes na consciência, mas esses críticos esquecem voluntariamente que a Revolução Bolchevique, logo desde o primeiro dia, viu-se acossada de todos os lados por quem a pretendia aniquilar à nascença. A Guerra Civil promovida pelos russos brancos, financiados pelas maiores potências capitalistas de então, condicionou em muito o rumo da Revolução nesses primeiros passos e condicionou-a daí por diante.  Até criando a sensação de paranoia, que decerto terá sido personificada em Estaline, quando via inimigos em todos quantos estavam à sua volta. E, no entanto, atendendo ao tipo de atividades a que a CIA se continua a dedicar nesta altura, nalguns casos até teria razão para desconfiar…
O que J.S. quer ignorar é que as experiências não são repetíveis, nem em função de tudo quanto desde então se passou nem por estarmos noutra conjuntura em que as classes sociais e os meios de produção mudaram totalmente. É por isso mesmo que o desafio colocado às esquerdas consiste em encontrar as soluções atuais que permitam essas novas implementações dos princípios universais da organização da sociedade de acordo com os valores definidos pela Revolução Francesa e inscritos na Declaração Universal dos Direitos Humanos. O que significa a aposta num outro tipo de sociedade onde a Igualdade e a Justiça se conjuguem com a Liberdade. Sem esquecer, porém, que a História dos homens continuará a ser sempre a da luta de classes…

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