domingo, 30 de outubro de 2016

A irresoluta questão racial nos States

As mortes violentas de muitos negros nos últimos meses, causadas por polícias com o dedo demasiado ágil no gatilho, demonstra como pouco mudou numa América, que se está a despedir de dois mandatos de uma Administração pela primeira vez liderada por um não-branco. Deste lado do Atlântico tendemos a esquecer o quão violenta foi a história da população de cor, primeiro sujeita à escravatura e depois ao racismo mais abjeto.
Os pais fundadores da nação, que tanto se tinham deixado influenciar pelo ideário da Revolução Francesa neles inculcado por Lafayette, “esqueceram-se” de contemplar na sua Constituição, tão pródiga nos conceitos de liberdade e igualdade, essa “instituição particular”, que era como Thomas Jefferson designava a escravatura.
Durante todo o século XIX vai-se criar insanável abismo entre o nordeste industrializado e os Estados do Sul onde os campos de algodão e de tabaco utilizavam mão-de-obra intensiva de escravos sujeitos às maiores brutalidades.
Quando o republicano Lincoln ganhou as eleições em 1860, os esclavagistas rejeitaram a anunciada abolição e declararam-se independentes.  Cinco anos depois, derrotados em batalhas sangrentas, tiveram de cumprir a 13ª emenda à Constituição, que acabava com a jeffersoniana instituição.
Durante dez anos, os da «Reconstrução», tudo pareceu entrar na normalidade: negros candidataram-se às eleições e foram eleitos com base na regra de um homem, um voto. O pior foi quando os exércitos unionistas deixaram o sul em 1877 permitindo que os antigos donos dos escravos criassem legislação cada vez mais segregacionista nos transportes, nas escolas, nas casas de banho e nos cemitérios, ao mesmo tempo que se dificultava progressivamente o acesso dos negros à participação eleitoral. Mormente através das ameaças físicas perpetradas pelo Ku Klux Klan. 
Entre 1880 e 1950, mais de quatro mil homens e adolescentes negros foram linchados publicamente por turbas racistas. Muitas dessas atrocidades foram testemunhadas por famílias inteiras, que participaram como se se tratasse de inocente entretenimento. Mais de um quarto desses crimes tiveram origem em acusações, quantas vezes infundadas, de agressões sexuais a mulheres brancas.
Esse mal-estar levou populações inteiras de cor a mudarem-se para os Estados do Norte para aí se proletarizarem nas grandes fábricas de Chicago ou de Detroit. Em vez de discriminados por leis celeradas, passaram a sentir-se oprimidos através da desigualdade na distribuição de rendimentos.
O racismo perdurou muito para além do fim da escravatura. Em 1896 o Supremo Tribunal garantia a legitimidade da segregação racial. Entre as duas guerras os negros alistados no exército não recebiam armas pelo medo do que com elas pudessem vir a fazer.
Será preciso aguardar pelos anos 50 para que a recusa de Rosa Parks em levantar-se do assento do autocarro onde se sentara ou a enorme marcha pelos Direitos Civis convocada por Martin Luther King em 1963 para que o poder federal agisse em conformidade com a Constituição: no ano seguinte Lyndon Johnson declarou ilegal a discriminação racial. Mas, mais de meio século entretanto decorrido, os factos comprovam ainda existir uma grande distância entre a realidade e o cumprimento da lei. 
Auguste Francois Biard 

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