quinta-feira, 27 de outubro de 2016

Notas colaterais à leitura do vespertino

1. A direita continua a fazer pessimamente ao país com a sanha contra a Caixa Geral de Depósitos, o tal banco público cuja privatização falhou tão só chegou ao governo em 2011.
A questão que me fica é sobre o conforto intelectual sentido atualmente por Catarina Martins e Jerónimo de Sousa ao acolitarem tal contínua sabotagem dos esforços em recuperar uma instituição financeira cujo estatuto, exclusivamente público, defenderam e estão a dificultar nesse comprometedor acompanhamento por quem prossegue objetivos confessadamente opostos.
2. Há mês e meio, quando me ligaram do lar onde estava internada a minha mãe, a informarem-me da sua morte, quase pediam desculpa pelo teor de tal notícia.
“Mas, aos 90 anos, não é natural que as pessoas morram?” - redargui surpreendido.
Quando já deram à vida tudo quanto estivera ao seu alcance e, na sua senilidade, são apenas fantasmas de si mesmas, fará sentido prosseguirem nesse arremedo de existência?
Nas notícias sobre a morte de figuras públicas, que se sabiam já em fase terminal, sucedem-se testemunhos mediáticos mais ou menos comovidos dos que as conheceram. Razão para me interrogar: será mera hipocrisia por ser politicamente correto quase chorarem em frente aos ecrãs televisivos? Ou que mágoas pessoais os faz transferirem para essa notícia as próprias dores?
É certo que não se chega ao paroxismo dos enterros dos líderes norte-coreanos, mas há algo de semelhante nessas reações públicas.
A morte, a começar pela minha quando acontecer, será algo de trivial, porque, como dizia Saramago, um dia estamos cá, no outro deixamos de estar. E o mundo continuará a girar.
3. Na sua crónica de hoje no «Expresso», Daniel Oliveira invetiva o ministro alemão das finanças e pergunta porque não se cala: é que não se trata de sair disparate, sempre que abre a boca. Se fosse isso ainda se poderia manifestar alguma tolerância. Mas a verdade é que ele e a sua corte tudo fazem para semear obstáculos a um governo que teme. É que, a comprovar-se o sucesso desta fórmula de maioria de esquerda parlamentar, outros povos europeus podem sentir-se tentados a seguir-lhe o exemplo.
Houve um tempo - escreve Daniel Oliveira—em que as relações entre estados da União se baseava nas regras diplomáticas usuais entre aliados: a não ser em casos extremos ou conflitos bilaterais, governos de um país não opinavam sobre os governos de outro país. E quando o faziam isso era dito com o aprumo diplomático que se exige entre estados que se respeitam. Desde que Schaeuble chegou à pasta das finanças isso mudou. Opina sobre tudo e todos, alimenta a instabilidade, provoca os mercados para que punam aqueles que não se verguem.
Mas, como se identifica argutamente nesse texto, Schäuble é apenas um dos principais responsáveis da crise, que atravessa quase todo o continente. E a sua resolução passa inevitavelmente por nos libertarmos de quem a não sabe resolver, substituindo-os por quem já compreendeu, com a ajuda dos Piketty, dos Krugman ou dos Stiglitz, que urge seguir por outro carreiro: “Os problemas da Europa ultrapassam em muito o governo alemão. Resultam de quase duas décadas perdidas com uma moeda disfuncional, que para além de promover a divergência económica e social entre Estados, consome todos os recursos políticos enquanto o projeto europeu de desagrega. Resulta de um défice democrático que está a chegar a um ponto de não retorno. Resulta da incapacidade de reagir rapidamente a uma crise financeira que levou a um crescente afastamento entre as expectativas dos povos do norte e do sul em relação à União.” 
Paul Klee


Sem comentários:

Enviar um comentário