segunda-feira, 28 de novembro de 2016

A odiosa pobreza do Branco americano

Vinte dias passados sobre a eleição de Donald Trump importa compreender as circunstâncias em que ela ocorreu, de forma a que as esquerdas aprendam a preveni-las e a impedirem de se reproduzirem em resultados similares.
Observadora atenta da realidade em causa tem sido Sylvie Laurent, uma francesa que leciona Ciências Políticas nas Universidades de Stanford e de Harvard, e autora de livros de pertinente atualidade como «Poor White Trash, la pauvreté odieuse du Blanc américain» e «La couleur du marché: racisme et néoliberalisme aux États Unis».
Numa entrevista facultada ao «L’Obs» ela interpreta a eleição de Trump como o corolário de um longo processo, que nada tem a ver com um qualquer acidente histórico. O ódio ao Outro, a rejeição de quem possa substitui-lo (o negro, o hispânico, o imigrante, a mulher, o muçulmano) foi-se desenvolvendo na mentalidade do Branco norte-americano nas décadas mais recentes, ganhando progressivo espaço dentro do Partido Republicano.
Esse processo foi crescendo a par do aumento das desigualdades suscitadas pelo neoliberalismo, que tratou de eximir-se das culpas, atribuindo-as antes às lutas das minorias em prol do seu reconhecimento.  Tornou-se bem sucedida a ideia de que cada conquista dessas minorias resultava num confisco, numa usurpação dos direitos desse americano de classe média.
Tratou-se de uma retórica excecionalmente bem sucedida em quem viu estagnada a sua qualidade de vida nos últimos trinta anos, com as casas a serem-lhes espoliadas pelos bancos aos quais as haviam hipotecado ou a  tornarem-se cada vez mais desvalorizadas pela crise.
Uma grande parte dos apoiantes de Trump foi votar nele por ter considerado inaceitável a eleição de um Negro e agora surgir-lhes a possibilidade de lhe suceder uma mulher.
Conclui Sylvie Laurent: “esta política de revanchismo teve agora o seu culminar absoluto com a insurreição do homem branco da classe média, aterrado por já não ser a referência e ver outros disputar-lhe a hegemonia cultural.”
Para a autora a nostalgia americana que Donald Trump encarna até no penteado - que lembra vagamente o de Ronald Reagan - foi preparado mediaticamente pelo sucesso da série televisiva «Mad Men», que expunha essa época em que não havia igualdade entre géneros, nem entre raças, e a mulher da classe média usufruía de segurança económica. É certo que ficava em casa e não acedia às universidades, mas integrava-se plenamente nas instituições comunitárias - igreja, bairro - onde era plenamente reconhecida e respeitada. O marido trazia para casa um bom salário, que não tornava os fins dos meses desesperantes com a falta de dinheiro, até subsistindo a esperança de uma ascensão social.
Ora, se as mulheres  e a generalidade da população negra obtiveram direitos formalmente reconhecidos, eles não lhes evitaram a precariedade em que vivem. Muitas dessas mulheres, que se encontram no cruzamento entre as desigualdades e a desintegração dos valores tradicionais, interrogam-se para que serviu todo o movimento de emancipação feminina dos anos 60. “A melancolia inquieta dos seus pais e irmãos, aliada à sua própria precarização, explica grande parte do seu paradoxal voto” num abjeto sexista.
Edward Hopper

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