segunda-feira, 31 de julho de 2017

Quem disse que o selfieman mudou o seu discurso?

A exemplo de Miguel Sousa Tavares não vi nada de particularmente diferente no discurso de Marcelo Rebelo de Sousa. Que Marques Mendes ou Cristina Figueiredo que, na edição de hoje do «Expresso», busca encontrar dez recados deixados nas entrelinhas a António Costa, tem mais a ver com os respetivos wishful thinkings  do que com as realidades.
Há, porém, uma diferença que distingue a minha perspetiva da de tão arrevesados opinadores: é que, enquanto eles partem do princípio de ter existido até aqui alguma cumplicidade entre Marcelo e António Costa, tenho defendido desde a eleição do primeiro que a sua estratégia passa por não fazer ondas enquanto a situação se mantém adversa para as direitas, atuando de forma radicalmente diferente se encontrar pretexto para as vir a favorecer.
Até agora as esquerdas não lhe deram qualquer hipótese: nem a maioria parlamentar se cindiu nas alturas-chave, nem o diabo apareceu sob a forma de maus resultados económicos. Aguentar o barco com  mais ou menos selfies trabalhando arduamente para a renovação do mandato - onde já vai a promessa de só fazer um quinquénio? - constitui a sua meta imediata. Sempre a espreitar o momento em que as duas condições essenciais para o seu objetivo - a instabilidade política ou uma viragem dos indicadores no sentido negativo - se verifiquem.
As notícias dos últimos dias deixaram, igualmente, perspetivar uma outra vertente do seu plano: ao pré-anunciar-se como putativo candidato à sucessão de Passos Coelho, Pedro Duarte deu o sinal que, qualquer observador atento há muito esperaria: tendo sido o seu mais fiel e aplicado colaborador na campanha eleitoral para as presidenciais, o antigo líder da juventude laranja é o marcelista genuíno, aquele que o tutor ambicionará ver à frente do partido para assenhorear-se das rédeas da governação.
A ameaça marcelista ao governo das esquerdas parlamentares está aí bem desenhada: um aguenta-se em Belém resguardando-se para o momento em que possa acionar a tal «bomba atómica» - as suas palavras a respeito de a não gostar de utilizar valem tanto quanto as que se referiam a querer um só mandato na presidência - e o outro vai fazendo o seu percurso próprio de conquistar o partido por dentro a partir das fidelidades garantidas quando estava na jota.
Não se pode, pois, dizer que Marcelo tenha mudado uma vírgula sequer ao seu discurso habitual. Porque sabe ainda não ser tempo para o fazer. Daí que valha a pena lembrar às esquerdas que se cuidem e garantam atempadamente um bom candidato presidencial para o quinquénio, que se seguirá. Porque, com Cavaco bem se viu como a direita em Belém se porta quando alcança um segundo mandato: age em roda livre sempre a fazer os possíveis para prejudicar tanto quanto possível quem dela diverge quanto aos objetivos e aos métodos de os alcançar.

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