terça-feira, 26 de dezembro de 2017

O desafio mais exigente que se coloca aos políticos decentes

Passados os festejos natalícios iniciamos aquele curto ciclo em que se fazem os balanços do ano que acaba e se prevê quanto possa suceder no que entra. A tentação aqui manifestada é a mesma, mas tanto quanto possível diferente no conteúdo de todas as outras, que por aí irão ocupar tempo de antena. E, apesar de termos tanto que referir a nível nacional (o sucesso das políticas económicas do governo, as tragédias suscitadas pelos incêndios) ou internacional (a Catalunha, os mísseis norte-coreanos, a força das extremas-direitas europeias), a opção natural é considerar como mais determinantes os acontecimentos, que já vinham de 2016 e se mantiveram pertinentes ao longo dos últimos doze meses: o Brexit  e a presença de Trump na Casa Branca.
O que une os dois acontecimentos, e nos deve particularmente interessar, é a relevância da participação e votação dos estratos sociais mais velhos, com menores habilitações académicas e enquadráveis na frágil fronteira entre o lúmpen proletariado e a pequena burguesia influenciada pelas igrejas evangélicas. Com todas as razões para se desligar dos que lhes vinham acenar para a possibilidade de se vingarem das elites e do «sistema» de que se sentem apartados, esse eleitorado serviu de idiota útil aos que pretendiam precisamente castigar. E a realidade vai-o demonstrando dia-a-dia: nas próximas semanas quantos desses eleitores ficarão à espera de ver mais lautos rendimentos chegarem às suas contas graças ao alívio fiscal agora decidido pela Administração Trump e descobrirão com surpresa que, afinal, a legislação foi pensada e aplicada para as grandes empresas e os grandes especuladores da Bolsa de Valores?
Daí a questão que mais importa esclarecer no imediato: como podem os políticos decentes livrarem-se das táticas aplicadas por essa extrema-direita, que não enjeita recorrer à mentira, à teatralidade grotesca e à insinuação mais torpe para ver concretizados os seus projetos sinistros?
Aquilo que Assunção Cristas tem mostrado nos debates quinzenais com António Costa é uma pequena amostra do que poderá seguir-se, sobretudo se a sua inaptidão para a conduta populista for melhor comandada por algum guru do marketing político, capaz de mascarar de diamante o que apenas é negro carvão.
Aos socialistas pede-se que não se cinjam à atitude defensiva, que tem sido a sua na permanente guerrilha de casos com que as televisões e os jornais os pretendem tolher. Se quem lhes lidera a estratégia pensa que não haverá oposição digna desse nome tão só os resultados económicos e financeiros se mantenham robustos, bem pode encontrar desmentido de tal ilação porquanto, ainda hoje, o campo do «remain» no Brexit está convencido que a sua derrota resultou de ter limitado a propaganda a essa vertente da mensagem política.
Preocupante é também a ilusão de quantos defendem a necessidade de «abrir os partidos à sociedade», dando aos eleitores, e não apenas aos militantes com quotas em dia, o privilégio de designarem os seus líderes.
Pessoalmente mantenho assumidamente a perspetiva sobre o papel dos partidos, correspondendo a sua crise atual – e até desaparecimento recente de alguns que tinham desempenhado papéis históricos relevantes em Espanha, na Itália ou na França – à demissão do seu papel liderante. Atitudes como as da referida Cristas a pedir aos militantes e simpatizantes, que lhe transmitam ideias para as integrar no seu programa eleitoral não lembra  senão a cabeças tontas como a dela.
É fundamental que os partidos à esquerda discutam interna e exaustivamente o seu projeto de futuro. E é o que resultar desse trabalho político que deve ser adequadamente transmitido ao eleitorado com mensagens simples e facilmente apreensíveis por quem o possa apoiar. O grande problema da deficiente comunicação entre eleitos e eleitores tem a ver com a escassez de oportunidades com que aqueles se dispõem a escutar os anseios de quem representam, mas também com a incapacidade para lhes transmitirem explicações plausíveis sobre como poderão dar-lhes satisfação.
Em suma sou contra as primárias abertas a não militantes (recorde-se que, no PS, tratou-se de um mero estratagema de Seguro para conseguir o que julgava vir a ser uma vitória mais fácil!) e contra a generalidade das propostas defendidas na Comissão Nacional do PS pela tendência representada por Daniel Adrião. Ao insurgir-se por o Partido ter suspendido as três centenas de militantes, que concorreram por listas independentes nas recentes autárquicas ele revela bem a sua inconsistência ideológica. Tivesse o PS a desdita de Adriões ou Assises os virem a comandar e vê-lo-íamos condenado ao declínio conhecido pelos seus congéneres na maioria dos países europeus.
Ao ter apresentado a «Agenda para a Década», em vésperas das eleições de 2015, António Costa demonstrou muito bem saber para onde pretendia fazer rumar o Partido e o país. A Visão de futuro aí exposta fazia sentido, mas foi pessimamente comunicada ao eleitorado que não lhe retribuiu o mérito que lhe caberia por justiça. Importa atualizar esse documento e encontrar novas estratégias para as transmitir à generalidade dos cidadãos de modo a que eles as entendam. Só assim se poderão evitar surpresas como as que beneficiaram Trump e os pró-Brexit.
A política é coisa demasiado séria para ficar dependente do voto de quem o usa contra os seus próprios interesses, manipulado por quem sabe muito bem como nele despoletar os preconceitos e as mais absurdas expectativas. O nosso esforço quotidiano será o de emular o que de positivo as esquerdas possam concretizar e denunciar incansavelmente todas as torpezas intentadas pelas direitas apostadas em retomarem o austericídio, que deixaram a meio…

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