terça-feira, 1 de maio de 2018

Recordar maio de 68 (6): Tanto se conseguiu a longo prazo, mas tão pouco no imediato

Hannah Arendt disse um dia que as crianças deste século XXI olharão para o movimento de 1968, como a sua geração percecionou a Revolução de 1848. Outro filósofo alemão, Jurgen Habermas concluiria, porém, que ele foi responsável pela mudança de opiniões dos próprios conservadores, obrigados a mudar muitos dos conceitos em que se haviam até então cristalizado. Essa liberalização levou-os a aceitar novos padrões educacionais para as crianças ou a reconhecer o progressivo papel social, político e profissional das mulheres, doravante libertadas da condição de meros satélites dessa figura anacrónica do «chefe de família». Terá sido essa rendição a idiossincrasias, até então tidas como subversivas, que vieram a resultar nas ruturas estruturantes dos últimos anos, que tornam exequíveis a legalização da cannabis, o casamento entre pessoas do mesmo sexo, quiçá mesmo a aprovação do direito de cada um a morrer quando quiser e com o mínimo sofrimento possível.

O movimento de maio 68 acelerou uma dinâmica de alteração de paradigmas, que tenderiam sempre a impor-se, mas se tornaram inevitáveis por muito que os cavernícolas do costume se esforçassem por os adiar tanto quanto possível. No que se revelou menos bem sucedido foi no advento das utopias que, num breve instante, pareceram possíveis com a ocupação das fábricas pelos trabalhadores, assim dispostos a porem em causa o sacrossanto respeito pela propriedade privada. E aí não só demonstraram-se - para quem precisava de tal hipótese se revelar duvidosa - os limites da anarquia como solução para os impasses do capitalismo, mas também a incapacidade dos sindicatos e dos maiores partidos de esquerda para apresentarem uma alternativa apelativa e eficiente, que se impusesse como inovadora naquele momento preciso. Com o Partido Comunista aprisionado aos dogmas leninistas, ainda não suficientemente desmistificados a leste (apesar de em Praga isso se prenunciar desde o início desse mesmo ano!) e o Partido Socialista estar à procura de uma consistência ideológica, que nunca chegaria verdadeiramente a encontrar desde então, estava garantido o caldo em que os sindicatos tomariam a liderança dos grevistas e se acomodariam à preocupação de preservarem os ganhos mínimos, mesmo que tudo continuasse depois a ficar como tinha estado até antes de se levantarem as barricadas.

No final - para  desespero da geração de 68 - o estado de bem-estar social, representado então por Jacques Chirac [secretário de Estado para emprego], e os sindicatos, liderados pelo comunista Georges Séguy, concordaram que a revolta tinha de terminar. Convocaram uma mesa redonda, agora conhecida como Grenelle , e negociaram enormes aumentos salariais, o fortalecimento dos conselhos de trabalhadores e pouco mais. 

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